À espera
Já há 23 dias me meto numa impaciência de querer escrever e não poder. Que eu esteja ocupado demais é desculpa de seres humanos: isso não existe para mim. Que me faltem lembranças ou histórias... só rindo de quem me viesse com algo parecido; se em mim ressoam ainda tantas vozes e lamentos e beijos que poderia eu os ficar aqui até o infinito, reproduzindo-os e recombinando-os, e caísse de velho este sobrado que integro, e fosse o Rio de Janeiro inundado pelos mares das geleiras que derretessem, que se fizessem as catástrofes todas prometidas, enfim, e ainda aqui estaria eu, compenetrado como quem resolve um problema de lógica, ruminando os eventos que já incorporei.
Mas nada disso me ocupa mais que o trabalho dessas linhas, de montá-las. O que me toma o tempo e o pouco de essência vazia que consigo reter, o que me faz, com o nível de mimetismo que só o cimento atinge, permanecer este quase um mês imóvel como um cômodo, é essa pessoa que me habita. Porque a encarno tão bem, porque a assumo como a alma profunda que há tanto desejo. E se as almas pudessem ser mais corpóreas que seus corpos, essa minha habitante seria ainda mais imóvel que sua habitação.
Ela espera. O que, exatamente, eu não sei, nem tenho esperanças de vir a saber. Sei que a tenho em mim e, encarnando-a tanto quanto me é possível, até o ar que me preenche pára, até as reverberações passadas – e conseqüentemente os meus pensamentos – se calam. Todo eu imobilizado, assim, mimetizado na espera apática de minha hóspede, nos seus modos de cimento, há 23 dias.
E creio que há décadas que não saberia eu dizer com tanta exatidão o que é a espera. Não a espera trivial, a espera do elevador, a espera do telefonema, do café da manhã, aquela que se atravessa roendo as unhas e enrolando nos dedos as pontas dos cabelos. Porque esperar não é jogar paciência, ouvir música, ou tampouco estar à Internet ou ao MSN. Não é acompanhar da janela o movimento dos carros ou espremer as espinhas. Isso não é saber esperar.
Esperar é, como minha pobre hóspede, deitar-se de bruços na cama e o vazio à frente. É como, nalgum post antigo talvez tenha eu dito, sentir minuto a minuto a lâmina do relógio. É chegar a este ponto em que já não se espera algo, espera-se simplesmente. Não sabendo se o objeto da espera há de chegar, mas prosseguir mesmo assim. Obstinada, exasperadamente, que a única espera verdadeira é a que se basta, a que se auto-consome.
Esperei com ela, sim, embevecido, esperei o que jamais me será dado conhecer, e nessa espera infrutífera percebo agora o quanto durante esse período voltei a ser cômodo; e o quanto o tempo, com suas reminiscências e movimentos, me foi corroendo ao longo dos anos a minha essência primeira de cômodo, o que não pensa, o que não se preenche.
Mas sendo esse o meu estado, suspensas as minhas idéias ao ponto que me obrigou a minha hóspede, como agora formulo essas frases?, talvez perguntem, como suspendo esse nosso estado de espera que nos fez visceralmente cúmplices não sei bem do quê (espero sabê-lo)? É que minha habitante há cinco minutos abriu a porta e saiu. Veio sem mala e sem mala se foi. Bateu a porta, passou a chave, e eu respirei fundo, quase alívio, e das minhas correntes de ar soaram suspiros da década de 20.
Quanto à hóspede, pode ser que volte, pode ser que não. Saberei esperá-la, e enquanto não vem ela, remôo-me na minha coleção de eventos passados, os que já tiveram dissolvidas as suas esperas.
Mas nada disso me ocupa mais que o trabalho dessas linhas, de montá-las. O que me toma o tempo e o pouco de essência vazia que consigo reter, o que me faz, com o nível de mimetismo que só o cimento atinge, permanecer este quase um mês imóvel como um cômodo, é essa pessoa que me habita. Porque a encarno tão bem, porque a assumo como a alma profunda que há tanto desejo. E se as almas pudessem ser mais corpóreas que seus corpos, essa minha habitante seria ainda mais imóvel que sua habitação.
Ela espera. O que, exatamente, eu não sei, nem tenho esperanças de vir a saber. Sei que a tenho em mim e, encarnando-a tanto quanto me é possível, até o ar que me preenche pára, até as reverberações passadas – e conseqüentemente os meus pensamentos – se calam. Todo eu imobilizado, assim, mimetizado na espera apática de minha hóspede, nos seus modos de cimento, há 23 dias.
E creio que há décadas que não saberia eu dizer com tanta exatidão o que é a espera. Não a espera trivial, a espera do elevador, a espera do telefonema, do café da manhã, aquela que se atravessa roendo as unhas e enrolando nos dedos as pontas dos cabelos. Porque esperar não é jogar paciência, ouvir música, ou tampouco estar à Internet ou ao MSN. Não é acompanhar da janela o movimento dos carros ou espremer as espinhas. Isso não é saber esperar.
Esperar é, como minha pobre hóspede, deitar-se de bruços na cama e o vazio à frente. É como, nalgum post antigo talvez tenha eu dito, sentir minuto a minuto a lâmina do relógio. É chegar a este ponto em que já não se espera algo, espera-se simplesmente. Não sabendo se o objeto da espera há de chegar, mas prosseguir mesmo assim. Obstinada, exasperadamente, que a única espera verdadeira é a que se basta, a que se auto-consome.
Esperei com ela, sim, embevecido, esperei o que jamais me será dado conhecer, e nessa espera infrutífera percebo agora o quanto durante esse período voltei a ser cômodo; e o quanto o tempo, com suas reminiscências e movimentos, me foi corroendo ao longo dos anos a minha essência primeira de cômodo, o que não pensa, o que não se preenche.
Mas sendo esse o meu estado, suspensas as minhas idéias ao ponto que me obrigou a minha hóspede, como agora formulo essas frases?, talvez perguntem, como suspendo esse nosso estado de espera que nos fez visceralmente cúmplices não sei bem do quê (espero sabê-lo)? É que minha habitante há cinco minutos abriu a porta e saiu. Veio sem mala e sem mala se foi. Bateu a porta, passou a chave, e eu respirei fundo, quase alívio, e das minhas correntes de ar soaram suspiros da década de 20.
Quanto à hóspede, pode ser que volte, pode ser que não. Saberei esperá-la, e enquanto não vem ela, remôo-me na minha coleção de eventos passados, os que já tiveram dissolvidas as suas esperas.
2 Comments:
escreveu...
dissolver e espera são palavras trágicas quando juntas...
beijo
saulo.
Tenho para mim que ela não voltará. Quartos de hoteis realmente dão muita inspiração, como já disse aqui.
beijo e ótimo fim de semana
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