À maneira de um soluço
Tinha esquecido de dizer que a mulher parece que morreu. Não sei bem: tudo estava como sempre nessas últimas semanas, eu já sem falar nada a ninguém por me dar era um tédio apertado no coração que não tenho, os dias passavam um depois do outro e o menino brincava e fazia perguntas, o homem chorava pela manhã, e era o suficiente. Não procurei saber mais, não me interessou entrar na intimidade dos dois coitados mais do que o bastante para me manter longe do ranço de morte que traziam.
Depois de Inocência deixei de ser imune à morte: comovo-me. Nunca antes ninguém morrera em mim, e confesso, não soube lidar com a situação. É curioso: a pessoa respira em você e por você, e faz a barulheira de que jamais você será capaz, a pessoa traz para dentro de você o calor de carne que jamais os seus tijolos não atingirão – e os meus tijolos acho que sempre foram especialmente frios –, até que de repente cessa isso tudo, o silêncio volta, o cadáver não esquenta mais que os lençóis da cama, nem movimenta o ar com mais alma do que a brisa que me entra pelas janelas.
Eu sempre me ressenti de não saber pôr o ar em movimento.
Eu tenho um silêncio de tumba, parece-me. E me falta um fantasma, é só o que repito. Júlia se foi antes de eu pensar nisso, Inocência foi removida sem me deixar marcas, não resta mais ninguém.
Um fantasma silencioso e frio como eu, sem respirações e tagarelices. Um que se postasse sentado sobre o parapeito e me observasse o interior, os olhos encovados e as pontas dos dedos ossudas, transpassado pelos raios de sol que se insinuassem pela vidraças. Um fantasma de quem eu pudesse dizer: este eu sou. Não é alma gêmea, como já ouvi dizerem, é alma justaposta. Com todos os móveis que abrigo, ainda me sobra espaço para isso.
Depois de Inocência deixei de ser imune à morte: comovo-me. Nunca antes ninguém morrera em mim, e confesso, não soube lidar com a situação. É curioso: a pessoa respira em você e por você, e faz a barulheira de que jamais você será capaz, a pessoa traz para dentro de você o calor de carne que jamais os seus tijolos não atingirão – e os meus tijolos acho que sempre foram especialmente frios –, até que de repente cessa isso tudo, o silêncio volta, o cadáver não esquenta mais que os lençóis da cama, nem movimenta o ar com mais alma do que a brisa que me entra pelas janelas.
Eu sempre me ressenti de não saber pôr o ar em movimento.
Eu tenho um silêncio de tumba, parece-me. E me falta um fantasma, é só o que repito. Júlia se foi antes de eu pensar nisso, Inocência foi removida sem me deixar marcas, não resta mais ninguém.
Um fantasma silencioso e frio como eu, sem respirações e tagarelices. Um que se postasse sentado sobre o parapeito e me observasse o interior, os olhos encovados e as pontas dos dedos ossudas, transpassado pelos raios de sol que se insinuassem pela vidraças. Um fantasma de quem eu pudesse dizer: este eu sou. Não é alma gêmea, como já ouvi dizerem, é alma justaposta. Com todos os móveis que abrigo, ainda me sobra espaço para isso.
2 Comments:
o teu blog é um dos mais lindos, legais e interessantes que já vi...parabéns!!!
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