Tentativa de definição
O que é no fim das contas um quarto?
O mais essencial: quatro paredes – na maioria esmagadora dos casos –, um teto, um chão. Porta, janela.
Tenho duas portas: a que dá para o corredor e a mais recente, que me liga ao meu apêndice, um horrendo banheiro que me transformou em suíte desde que decidiram forçar a ser um hotel esta casa velha da qual sou parte. Há coisas com as quais a gente nunca se acostuma.
Já minha única janela é um belo janelão envidraçado, desses que vão quase até o teto, um dos meus orgulhos. Nos longos períodos que se passaram sem ninguém se preocupar em podá-las, as copas das árvores me invadiam quando a janela era aberta. Hoje às vezes posso perceber os ramos se enroscando nas minhas grades de ferro, e me sinto feliz porque me lembra a Júlia.
Além de portas e janelas, hoje sou chão de tacos de madeira, quatro paredes brancas e um teto que nunca ninguém parou para verificar que é inclusive branco. Um quarto, afinal.
Acontece que é pouco. Acontece que eu sou também os móveis, os milhares de camas, mesas, cadeiras, quadros, cortinas e armários que já me mobiliaram ao longo de quase um século. Eu sou também as pessoas que já me habitaram, as mais queridas e as mais insanas, e sou também os sonhos e sussurros que essas minhas paredes envolveram. Todas as palavras que reverberaram pelo meu cimento, os pensamentos das cabeças todas que abriguei, e os travesseiros nas quais elas se deitaram e as lágrimas que sobre eles foram derramadas. Eu fui Júlia por anos e anos, minha primeira e mais querida moradora, e hoje sou a cada semana os hóspedes que passam por mim, os estranhos que me trespassam por tão poucas noites que já nem dá para senti-los como pessoas que habitam. Porque várias delas não são mais que montes de calor e movimento para me sacudir um pouco a imobilidade, para me distrair, o que seja. Consumidores de oxigênio.
Mas talvez, acima de tudo, talvez mais até do que cimento e tijolos – a condição mais primordial –, talvez eu me perceba em primeiro lugar nas palavras que no meu interior já ecoaram, na quantidade de palavras que podem ser ditas em mais de 90 anos e por inumeráveis bocas, e que agora se reorganizam, que agora tomam uma forma, a minha forma, numa massa de concreto que há muito já estivesse presente, suspensa no teto que nunca ninguém parou para olhar, e que agora se concretiza nessas frases.
O mais essencial: quatro paredes – na maioria esmagadora dos casos –, um teto, um chão. Porta, janela.
Tenho duas portas: a que dá para o corredor e a mais recente, que me liga ao meu apêndice, um horrendo banheiro que me transformou em suíte desde que decidiram forçar a ser um hotel esta casa velha da qual sou parte. Há coisas com as quais a gente nunca se acostuma.
Já minha única janela é um belo janelão envidraçado, desses que vão quase até o teto, um dos meus orgulhos. Nos longos períodos que se passaram sem ninguém se preocupar em podá-las, as copas das árvores me invadiam quando a janela era aberta. Hoje às vezes posso perceber os ramos se enroscando nas minhas grades de ferro, e me sinto feliz porque me lembra a Júlia.
Além de portas e janelas, hoje sou chão de tacos de madeira, quatro paredes brancas e um teto que nunca ninguém parou para verificar que é inclusive branco. Um quarto, afinal.
Acontece que é pouco. Acontece que eu sou também os móveis, os milhares de camas, mesas, cadeiras, quadros, cortinas e armários que já me mobiliaram ao longo de quase um século. Eu sou também as pessoas que já me habitaram, as mais queridas e as mais insanas, e sou também os sonhos e sussurros que essas minhas paredes envolveram. Todas as palavras que reverberaram pelo meu cimento, os pensamentos das cabeças todas que abriguei, e os travesseiros nas quais elas se deitaram e as lágrimas que sobre eles foram derramadas. Eu fui Júlia por anos e anos, minha primeira e mais querida moradora, e hoje sou a cada semana os hóspedes que passam por mim, os estranhos que me trespassam por tão poucas noites que já nem dá para senti-los como pessoas que habitam. Porque várias delas não são mais que montes de calor e movimento para me sacudir um pouco a imobilidade, para me distrair, o que seja. Consumidores de oxigênio.
Mas talvez, acima de tudo, talvez mais até do que cimento e tijolos – a condição mais primordial –, talvez eu me perceba em primeiro lugar nas palavras que no meu interior já ecoaram, na quantidade de palavras que podem ser ditas em mais de 90 anos e por inumeráveis bocas, e que agora se reorganizam, que agora tomam uma forma, a minha forma, numa massa de concreto que há muito já estivesse presente, suspensa no teto que nunca ninguém parou para olhar, e que agora se concretiza nessas frases.
4 Comments:
Oi, Vic
Belo texto sobre os sentimentos de algo que é tratado com tanta indiferença, mas que presencia os nossos momentos mais íntimos. Acho que nos quartos de hotel somos ainda mais reais do que nos nossos próprios quartos. E se os quartos de hotel pudessem falar! Já pensou? Mas esse falou aqui e achei bonito. Parabéns!
bj
vou me tornar frequentador assíduo do seu blog.
beijos
Victoria!
Senti o casarão úmido, vi o teto branco com a folhagem das árvores dançando sombras e ouvi as vozes dos diferentes inquilinos. Havia acabado de ler "Texts for Nothing" do Samuel Beckett e a sensibilidade para as profundezas do dizer sem dizer mas tudo dizendo estava pronta.
Abração
Bonjour, eusouumquartodehotel.blogspot.com!
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